terça-feira, 7 de março de 2017

Adélio, o neto de cafezeiro

Adélio Antônio da Silva

“Neto de cafezeiro não nega café.” Foi afirmando isso que o senhor Adélio Antônio da Silva, entre uma xícara e outra, me recebeu em sua casa e contou sua história.

Tendo cursado física e matemática no McKenzie, pretendia entrar na Aeronáutica Brasileira para cumprir seu tempo de alistamento e aprender como funcionavam alguns mecanismos, assim, também seguiria os passos de seu tio, que servira alguns anos antes. “Só que meu pai disse que se eu servisse o exército, ele me ajudaria”, isso porque em 1963 o salário de um militar era baixo, “Hoje o exército ainda paga um pouco mais, quem melhorou isso foi o Castelo Branco”, afirmou Adélio.


A intervenção de seu pai fez com que ele desistisse da Aeronáutica e ingressasse no Exército, o que seria bem mais difícil se a dona Maria, moradora do bairro Vila Formosa – onde Adélio mora até hoje – não o tivesse incentivado. Mal sabia que uma ação a contra gosto lhe renderia tantas histórias para contar, algumas delas cômicas, outras bem dramáticas, mas todas relatadas entre boas xícaras de café.



O neto de cafezeiro

Aos 69 anos, ele mostra que ainda possui uma memória aguçada e conta sobre sua infância, quando ajudava seu pai com a venda de querosene e o avô com a venda de café. Lá ele aprendeu lições que levaria para toda a vida.

"Morei por 64 anos na Vila Formosa, lugar onde nasci, depois passei poucos anos no Carrão, até voltar ao meu lugar de origem."

Nascido em 1944, Adélio viu a Vila Formosa crescer, "no começo dos anos 1950, a Vila Formosa ainda não tinha gás, como em outros lugares do centro de São Paulo", mas como em tantos outros lugares, ali existia um lugar chamado empório, onde os moradores encontravam cereais, leite, café e querosene. "Meu avô e pai vendiam café, eles tinham uma boa freguesia, mas com o tempo meu avô preferiu se estabelecer", com essa ideia, seu avô abriu seu empório, vendia cerais que comprava em um mercado na rua Paula Sousa, Luz. O leite vinha em caixas de ferro, separados em garrafas de vidro, onde as pessoas compravam a partir de 1/4 de leite, de acordo com a necessidade.

Mas o pai do Sr. Adélio preferiu continuar no ramo do café, fiel a sua freguesia. "Meu pai continuava a vender café. Café Moça, depois Café Congresso. Eram cerca de 8 pessoas que vendiam café por São Paulo, meu pai era um deles", afirma com orgulho.


Tempos pré-ditadura

Antes mesmo de ingressar no exército, Adélio começou a trabalhar com consertos de rádios e TVs. Começou a trabalhar no inicio dos anos 1960, "haviam várias fabricas, essa onde eu comecei chegou uma turma da Rádio Assunção, alguns técnicos já eram experientes e existiam alguns italianos por ali, eu fui cria dessa italianada", e isso o ajudou muito em seu desenvolvimento profissional e militar, "aprendi muita coisa na Pioneer, se não tivesse aprendido eu não teria dado conta no exército como técnico, nem chegado onde eu cheguei, virando supervisor da Philco".

A partir de 1961 o Brasil vivia um período de revolução social, após a renúncia de Jânio Quadros a presidência, o vice-presidente João Goulart assumiu o posto. Goulart não tinha apoio dos militares para dirigir o país, então em 1963 às manifestações políticas, militares e sociais tomaram uma proporção maior. 

"Servi no quartel de Quintaúna, segundo a turma, um dos quartéis mais rigorosos de São Paulo", e foi lá onde passou por poucas e boas durante seu serviço. "Era comum o batalhão inteiro ficar em prontidão naquele tempo de pré-ditadura, até os eletricistas ficavam de guarda, armados, para garantir todos os postos".

"Certo dia, quando faltavam duas horas para acabar o meu turno, um sargento chegou até onde eu estava e disse: 'Gordinho, se escutar qualquer barulho estranho, corre para a Terceira Bateria', não sei bem o que ele quis dizer com isso, mas daquele momento em diante, qualquer barulho me parecia estranho."

Mas as coisas iam ficando realmente feias com o passar dos dias, Adélio conta algumas situações que, segundo ele, nunca vai esquecer. "Existia uma vila fora do quartel, onde moravam os oficiais, uma dessas casas tinha um oficial suspeito, acho que era um sargento. Quando os soldados foram investigar, em baixo do sofá, onde as crianças dormiam, encontraram câmeras fotográficas, fantasias e outros materiais contrabandeados da Rússia. O sujeito foi preso e mandado Itaipu, em Santos."

Por ser apenas um dos eletricistas, pouco participava de ações mais perigosas, mas lembra de uma que, hoje, rende algumas risadas: "outra vez me pediram uma lâmpada mais forte, eu não tinha a mais potente da época, mas peguei a melhor que pude. Quando fui instalar, vi que tinha um homem sentado e algemado, me pediram para colocar a lâmpada no refletor que estava a frente dele. Logo, com medo, o rapaz começou a entregar o próprio pai, eu não sabia sobre o que estavam falando, mas só por essa atitude me arrependi de não ter uma lâmpada 220v no dia", depois disso, dá boas risadas.

Quando foi dispensado do Exército, antes mesmo da Ditadura de 64 começar, Adélio voltou a trabalhar na Pioneer, depois de alguns anos trabalhou na Philco, onde foi supervisor. Nesse meio tempo, se casou e teve dois filhos. Hoje se lembra de suas aventuras e desventuras com um certo brilho nos olhos, pronto para contar sua história para quem estiver disposto a ouvir, mas, claro, em meio a boas xícaras de café.

Entrevista realizada no dia 14 de outubro de 2013.

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