quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Vida (ato 1)

O mundo

Tão grande como sempre foi

O bairro

Pequeno, mas que me põe mais medo que o mundo

Pessoas...

Pessoas para agradar, sustentar, amparar

São as pessoas, não o mundo

Uma lata no chão

Uma garrafa no mar

E o mundo, que é belo, sucumbirá.


segunda-feira, 1 de junho de 2020

RIP


De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque eu tava cansada de ser louca assim sozinha
De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque a sua loucura parece um pouco com a minha
Você esconde a mão, diz que é Napoleão
Boa parte de mim acredita que sim
Se eu converso com ar, no meio do jantar
Você espera a vez dele de falar
Você fala chinês pela primeira vez
Eu dou opinião num perfeito alemão
Se eu emito um som que você acha bom
A gente faz um dueto fora do tom
De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque eu tava cansada de ser louca assim sozinha
De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque a sua loucura parece um pouco com a minha
Você fala chinês pela primeira vez
Eu dou opinião num perfeito alemão
Se eu emito um som que você acha bom
A gente faz um dueto fora do tom
De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque eu tava cansada de ser louca assim sozinha
De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque a sua loucura parece um pouco com a minha

sábado, 2 de maio de 2020

Voltaremos a velejar

Pensei esses dias
Foi enquanto tomava banho,
Lavando a louça, ou preguiçoso na rede
Não sei bem
Mas pensei na necessidade de reconstrução
Reconstruir é coisa da vida
Quando criança reconstruímos pirâmides com blocos de montar
Na adolescência reconstruímos nossa identidade constantemente
Já adultos, reconstruímos nossos lares, internos e externos

É uma longa jornada essa da reconstrução, não acaba nunca
O fato é, meu amor, que quando essa quarentena passar
Quando os barcos voltarem a zarpar
Os aviões voltarem a decolar
Vamos reconstruir nós dois em um
Em águas mansas e agitadas
Em tempo bom ou ruim
Seguiremos
Extremos e dispostos
Quando o mundo acordar
Quando o cansaço acalmar
Voltaremos a juntos velejar

segunda-feira, 27 de abril de 2020

21 de junho de 2013

Seu coração era alvi-verde, isso ninguém podia negar. Estava na cara, no grito de "goooool! Alex, do Palmeiras" no futebol na rua. Na oração a São Marcos na hora de defender o pênalti no muro da vizinha. Ninguém negava que era alvi-verde. Porque era uma festa quando o time ganhava: "esse ano é tudo nosso". Era as lágrimas quando o jogo não dava certo. Dizia que o lateral não deveria ter jogado tão recuado "tá chamando o outro time", ou era o atacante que tinha o pé torto.

Foi um ano difícil aquele 2003. Mas era alvi-verde, sem dúvida. Aguentou a zombaria de cabeça erguida. Não ligou para os gritos de "ão, ão, ão, segunda divisão". O que importava era acompanhar o time, na TV ou no rádio. Ser da torcida que canta e vibra. E teve aquele dia, lá pro meio do ano, 21 de junho, para ser exato. O Palestra estava lotado. Quase 28 mil torcedores. E ele estava lá, com sua camisa Parmalat, aquela que comprou em 98 e viu que aquilo era pra valer, era a paixão que levaria para a vida. Foi a primeira vez que sentiu aquela sensação que ninguém sabe explicar. A torcida gritando. A bateria tocando. Não dá para explicar.

Então surgiu uma coisa estranha. Uma admiração, um carinho. Quem viu sabe que não foi dos melhores jogos. Faltou inspiração. Decisão. O resultado refletiu bem o que aconteceu dentro de campo. Um 0x0 apagado, sem muita graça. Mas o que não faltava era emoção. Contaria essa história toda vida. A melhor história que o futebol já teve, poderia jurar que era. E dessa grande história surgiu o carinho pelo adversário. Descobriu que poderia ser alvi-verde e, ainda assim, gostar de um outro time. Percebeu de essa rixa de torcida é besteira, falta do que fazer. E em todas as discussões sempre ficou do lado da risada, independente da chacota. E quando perguntaram "por que você comprou uma camisa do Botafogo?" ele só riu e disse que a história era longa demais, precisaria de resumir 16 anos em alguns minutos. 

Há quem duvide que ele é alvi-verde. Mas ele sabe que ainda hoje, as cores estão atreladas a ele. Aquelas cores, que causam risos e lágrimas. E se hoje veste uma camisa do Botafogo, é porque já sabe bem quem é, porque a pele já está marcada, a história já está escrita. Seu coração é alvi-verde, mas seu espírito é boleiro e nostálgico, não nega nenhuma emoção do futebol bem jogado.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Atlântico Sul | Vitor Isensse


"Mãe, Pai
Obrigado por mais esse dia!
Obrigado por mais essa oportunidade de estar aqui
Vivo, crescendo, me melhorando e aprendendo

Agradeço pela saúde do meu corpo
Pelo abrigo, o alimento, o trabalho
Pelo amor de minhas amigas
Meus amigos e familiares

Harari, no “Sapiens”, explicou a humanidade
Só não conseguiu explicar o Amor
Karl Marx e Adam Smith desenvolveram teorias perfeitas
Mas talvez não tenham levado em consideração
O egoísmo e a mediocridade dos humanos
A selfie mostra o sorriso
Só não revela o turbilhão de sentimentos
Niezetch disse que Deus está morto
Mas talvez não tenha cogitado
Que a vida possa ser
Ela própria
A Divindade

Peço a Ti
Dai-me muita saúde
Muito Amor-próprio, muita autoestima
Força de vontade, clareza de pensamento
Respeito por mim mesmo e pelos outros

Protege minha casa
Protege meu trabalho
Guia meu corpo
Meu pensamento e meu falar

Ajuda-me a criar meu próprio céu
Para a eterna felicidade da humanidade

Pois mil poemas escreveu a poeta
Mil gols marcou o craque
Mil mil dólares ostentou o magnata
Mil mantras repetiu o iogue
De nada adiantou

Mil vezes chamei um nome
Mil litros bebeu o alcóolatra
Mil doações fez a filantropa
Mil castigos infligiram os pais
Mil nuvens furou a aviadora
Mil fotos postou a blogueira
Mil pessoas seduziu o sedutor

De nada adiantou
Queriam moldar a Vida
Mas a Vida seguiu
Soberana

No canto do passarinho
Na mão que toca o piano
Dentro do redemoinho
No acerto, no erro, no engano

Vida
E nada mais"

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A fotografia de Érico Hiller


Eu sempre me perco entre as estações de trens. Não é que eu não saiba por onde ir, meu problema é ler enquanto estou indo para algum lugar. Algumas vezes não percebo que minha estação chegou, então passou. Outras, acredito que não valha a pena parar a leitura por algum compromisso, passou de novo.

Ontem estava lendo e comparando Memórias Póstumas com o roteiro do filme lançado em 2001. Entertido que estava, fui parar na Santa Cecília. Mas devo dizer que valeu a pena. Desci do trem, subi as escadas e me deparei com rinocerontes! - o mais engraçado é que me lembrei do momento em que Brás Cubas fala de sua alucinação, no caso com um hipopótamo, mas fico a imaginar se não seria mais emocionante viajar no torso de um rinoceronte. Mas deixemos os devaneios de lado.

Sempre gostei de fotografia. Lembro de quando, ainda pequeno, vi aquela fotografia de um homem em frente a tanques de guerra. A fotografia de Jeff Widrner, conhecida como Massacre da Praça da Paz Celestial, tirada durante uma revolta estudantil na China de 1989, se olhada com mais atenção, é como se tivesse vida. Você escuta o som dos tanques, sente a tensão do estudante. Observe o mundo segurando o fôlego.

Encontrei isso na fotografia de Érico Hiller, que está em exposição na estação. A foto em que o rinoceronte tem seu chifre cortado e o sangue escorre pelas bordas. A luta dos guardas florestais e do povo que buscam acabar com a venda ilegal do material extraído dos chifres. É uma briga difícil, até mesmo injusta, como sempre é para aqueles que buscam preservar algo do que nos foi dado pela natureza. 

É interessante o modo como Hiller faz algo tão preocupante se tornar belo. E é através dessa beleza de suas fotografias que nos é chamada a atenção para coisas que acontecem tão distante de nós. A Jornada do Rinoceronte é uma excelente coleção de imagens, que através de um espaço público nos confronta, pois essa não é a única coisa do tipo que vem acontecendo no mundo, no Brasil que o diga.